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Discurso proferido hoje, dia 25 de Abril, por Manuela Goes nas comemorações dos 40 anos da Revolução

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal,

Exma. Sra. Presidente da Câmara Municipal

Exmos. Srs. Vereadores

Eleitos à Assembleia Municipal

Convidados

Cidadãos e Cidadãs

 

Neste dia em que se comemora 40 anos sobre a instauração da democracia em Portugal, o Bloco de Esquerda saúda:

 

- aqueles que há 40 anos devolveram a liberdade ao povo Português (os então Capitães de Abril);

- todos aqueles que, apesar das enormes adversidades, continuam a lutar pela concretização dos ideais enunciados nesse dia.

 

Passam hoje 40 anos sobre o dia que marcou o fim da ditadura política e social em Portugal. Evocar Abril implica não esquecer esses tempos tristes e cinzentos do passado que os actuais poderes internos e externos parecem querer ressuscitar. Há 40 anos Portugal travava uma guerra injusta em três frentes onde morreram milhares de jovens e muitos outros ficaram incapacitados. As mulheres não tinham direito de voto e ganhavam em média menos 40% do que os homens. Existia a PIDE/DGS. Existiam presos políticos. Existia a tortura como forma regular de proceder a interrogatórios e a morte de opositores ao fascismo ocorreu não poucas vezes. A censura castrava a cultura portuguesa, perseguindo todos aqueles que ousavam a diferença. Ter opinião era proibido e todos aqueles que a manifestavam eram perseguidos. A taxa de analfabetismo rondava os 33%. O direito à educação, à saúde e à protecção social não eram universais. São estes alguns factos que caracterizavam Portugal como um país autoritário, retrógrado e fechado no que respeita ao desenvolvimento e direitos sociais.

 

Mas afinal havia alternativa. Mostraram-nos os Capitães de Abril e o povo português naquele “dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio” – cito Sophia de Mello Breyner. E não era o caos anunciado pelo regime deposto, como o demonstraram todos aqueles que fizeram o 25 de Abril de 1974.

 

E Portugal renasceu, rebentando “as portas que Abril abriu”. O ensino público prosperou, reduzindo de forma exemplar o analfabetismo. Foi implementado o serviço nacional de saúde, generalizando o acesso a cuidados de saúde que se tornaram universais e próximos das populações, e reduzindo-se as enormes taxas de mortalidade infantil. Desenvolveram-se direitos do trabalho, foram generalizados subsídios de férias e de Natal, foram criados mecanismos de protecção no desemprego. O poder local afirmou-se, levando ao desenvolvimento de um país marcado pelas desigualdades regionais. A democracia local revelou-se propiciadora de desenvolvimento social, cultural e económico.

 

40 anos depois, o povo português vive um dos momentos mais críticos e difíceis da sua história. O desmantelamento do serviço nacional de saúde está em curso, com as consequências sentidas por todos nós, e particularmente os algarvios e os lacobrigenses. Os retrocessos na escola pública são evidentes. O flagelo do desemprego afecta inúmeras famílias e são milhares aqueles que emigram. Uma grande parte da nova geração emigra, porque em Portugal não encontra trabalho ou o que encontra é precário e mal pago.

 

Na situação política, económica, financeira e sobretudo social que vivemos, ganha nova pertinência a mensagem de esperança e luta por um futuro melhor que o 25 de Abril representou. Hoje é cada vez mais necessário relembrar que não existem inevitabilidades e que o futuro terá de ser aquele que soubermos construir.

Em democracia não há inevitabilidades, há sempre alternativas. O 25 de Abril convoca-nos, de novo, a lutar contra o fatalismo, contra estas receitas que não curam mas aceleram o acentuam a doença. Hoje, tal como em 74, é urgente voltarmos a comandar as nossas próprias vidas, e a construir alternativas às políticas de empobrecimento, de restrição de direitos, e de lenta asfixia das liberdades que o neoliberalismo nos quer impor.

 

O Bloco de Esquerda reafirma que estará sempre ao lado de todos os que, ao celebrarem o 25 de Abril de 74 e o fim do fascismo em Portugal, se propõem lutar pelos valores e ideais que então marcaram aquela data. Defendemos os valores da liberdade, igualdade, do direito ao trabalho digno. Estamos e estaremos ao lado de todos os que se indignam perante os ataques que sofre o Estado social, os serviços públicos, as populações mais jovens e menos jovens. Não há democracia quando o estado não governa em nome das pessoas e para elas, mas em nome e em prol dos interesses da finança. Reafirmamos hoje que não abdicaremos dos ideais de Abril em prol de uma ditadura financeira que nos rouba condições de vida dignas.

 

Não há democracia plena quando a igualdade é meramente invocada em discursos e esquecida a obrigação de fazer o caminho para minorar as desigualdades; não há democracia plena quando se propagandeia uma sociedade livre, desde que bem comportada e conformada com a narrativa de poder, esquecido o direito à discordância e à pluralidade de pensamento; não há democracia plena quando o governo ocupa o 1º lugar na arrasadora corrida da destruição de emprego, quando a confiança na relação com os credores substitui a relação de confiança entre o Estado e o cidadão. Não há democracia plena em nada disto, mas antes uma ideia de democracia que não corresponde à nossa vida de hoje, a uma vida onde a distribuição de riqueza pende cada vez mais para uma elite, onde os mais desprotegidos social e economicamente são inteiramente culpabilizados pela sua situação, onde a solidariedade intergeracional está a ser arrasada em prol de um discurso onde impera a mera responsabilidade individual, como se fosse possível conceber uma nação onde cada um olha apenas por si e para si.

É sobre tudo isto que vale a pena refletir quando comemoramos abril, não é recordar o passado como muitos querem enviesadamente fazer crer, é tomá-lo como instrumento para despir o presente da bruma da inevitabilidade, é ter arrojo para trabalhar dia após dia com afinco sem resvalar na resignação e no apartidarismo, é respeitar a lei sem que esta nos converta em cidadãos passivos perante a injustiça social, é pagar os impostos sem perder o direito a clamar pelo lógico esbatimento de desigualdades.

Se assim é, recordemos pois esta data que aqui hoje nos traz, recordemo-la sempre, e com ela na memória e a verdade em mãos preparemos o futuro, UM FUTURO ONDE ABRIL NOS TERÁ ENSINADO A SONHAR, A TER ESPERANÇA, ONDE ABRIL NOS TERÁ ENSINADO QUE A LUTA, MESMO EM DEMOCRACIA, NUNCA TEM FIM.