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25 de Abril - 44 anos depois, por Ana Natacha Álvaro

Bom dia a todas e a todos!

Bom dia ao Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Lagos!

Bom dia à Senhora Presidente da Câmara Municipal de Lagos!

 

Comemoramos hoje um dia que não vivi. Nasci dez anos depois. 

Porém, tendo em conta que a memória não deixa de ser uma construção e tem a sua quota-parte de narrativa, também eu (a partir do que ouvi na música e à mesa, às refeições, do que vi nas paredes e nos olhares, do que li em páginas, imagens e edifícios) tenho uma memória idealizada do que foi esse dia.

Antes de mais, quero relembrar que pertenço a uma geração que teve o privilégio de usufruir das melhores coisas que nascem e renascem no pós-25 de Abril: como o Serviço Nacional de Saúde, o Ensino Público, o acesso à Cultura, as Cooperativas, a liberdade de expressão, a emancipação de diversas minorias… Um programa de direitos sociais e políticos que melhoraram a vida da maioria da população - os mais pobres e os mais desprotegidos. 

O que mais me comove neste dia é pensar na partilha coletiva e no espírito comunitário que se viveram nesse período. Um coletivo unido (em pontos geográficos diferentes, com histórias divergentes, de gerações distintas) que se liga por um sentimento de esperança comum, uma força revolucionária interior que talvez nem soubessem que carregavam, e um momento de felicidade que vislumbrou a mudança. 

Esta é a memória que me arrepia, que me faz celebrar sempre esta data e que me renova a energia para continuar a lutar por políticas sociais mais fortes, mais igualitárias e mais reais! 

Também sou da geração privilegiada que se pôde formar: na escola, na universidade, nas salas de exposição, nos palcos de música, nos ecrãs do cinema e nas páginas publicadas livremente, que nos chegaram e chegam de todo o mundo!

Também sou da geração que ouve constantemente que tem “habilitações a mais”, que não tem contratos de trabalho ou acesso à habitação e a quem ainda exigem um aumento da natalidade! Como? Com que condições? Chegámos ao cúmulo de receber de um Primeiro-ministro um convite para emigrar! 

Pergunto-me, muitas vezes, o que aconteceu àquele espírito coletivo do 25 de abril. Um espírito que surgiu de um cansaço geral com as mortes da guerra, desde os nacionalistas africanos aos militantes antifascistas; do cansaço da ausência dos que eram destacados para um conflito sem sentido; do cansaço dos que voltavam com stress pós-traumático com o qual ninguém sabia lidar; do cansaço da miséria de muitas vidas, principalmente no interior do país; do cansaço do MEDO! 

Hoje o 25 de Abril faz 44 anos, uma capicua, por isso vou recorrer à nossa cantautora Capicua e a alguns versos de uma das suas letras, e cito: 

“Ouve o que eu te digo,

Vou-te contar um segredo,

É muito lucrativo que o mundo tenha medo,

(…)

O medo paga a farmácia,

Aceita a vigilância,

O medo paga à máfia pela segurança,

O medo teme de tudo por isso paga o seguro,

Por isso constrói o muro e mantém a distância!

Eles têm medo de que não tenhamos medo.” (fim de citação)

Este medo vai-se reinventando e, nesse trajeto, vamos ficando confinados aos nossos medos diários e rotineiros… Que fica pelo caminho? Esse espírito coletivo, essa força de um povo unido, esse ar revolucionário que se respirou naquele dia…

O resultado é uma “comunidade imaginada”, que só existe quando se senta a ver a seleção a jogar, a ouvir o Festival da Eurovisão, a celebrar as figuras públicas que vingam internacionalmente, a partilharem nas redes sociais mais um artigo sobre o destino de sonho que é Portugal para os estrangeiros! 

Onde está a “comunidade imaginada”, que se junta nas ruas, para se manifestar pelos direitos das mulheres, pelo fim da precariedade laboral, pela salvação dos serviços públicos?!... Onde está a “comunidade imaginada” que tem compaixão pelo outro e recebe os refugiados que chegam, cuja única culpa é a de ter nascido num país a sofrer uma chacina sem sentido aos olhos de todos?! Onde está a “comunidade imaginada” que renasceu no 25 de Abril de 1974 e luta pelos direitos de todos e todas, e não só pelos seus?!

Continuo com a esperança de que esse sentimento de mudança e fé que Abril nos trouxe ainda viva em nós! 

Por isso, se “Eles têm medo de que não tenhamos medo.”, vamos mostrar-lhes que é isso mesmo, não temos medo! Porque somos livres para não o ter! 

Viva o 25 de Abril, sempre!